Por graveheart, 6 de novembro de 2012 14:14
A notícia saiu na semana passada, mas não deixa de ser interessante: a fundação OLPC (One Laptop per Children) deixou na mão de algumas crianças em várias aldeias da Etiópia unidades do Motorola Xoom. Crianças na idade entre 4 e 8 anos, paupérrimas, a maioria nunca tendo visto qualquer tipo de tecnologia mais avançada e analfabetos. O resultado ao final de cinco meses impressionou até mesmo os mais otimistas: as crianças foram capazes não apenas foram capazes de usar corretamente o tablet, como também conseguiram hackear o aparelho!
A experiência da OLPC era simples: em conjunto com alguns técnicos da própria Etiópia, eles criaram cabanas repletas de paineis solares (para que fosse possível recarregar os aparelhos) e em várias vilas do país deixaram um presente para as crianças. Caixas e mais caixas com o Motorola Xoom dentro. E só. Nenhum deles instruiu as crianças sobre o uso, não havia ninguém ali para ensinar as crianças a sequer ligar o tablet. A idéia era ver o que acontecia. Como relata Nicholas Negroponte (presidente da OLPC), o resultado foi impressionante (tradução livre):
"Nós deixamos as caixas ali. Fechadas. Sem instruções, nada. Pensamos: "as crianças vão brincar com as caixas! Mas em coisa de quatro minutos, uma das crianças abriu a caixa, e encontrou o botão liga/desliga. Ele nunca havia visto um botão desses em toda sua vida, mas mesmo assim ligou o tablet. Em menos de cinco dias, cada criança usava em média 47 apps por dia. Em duas semanas, eles já estavam cantando algumas canções em inglês. E, em cinco meses, eles já haviam hackeado o Android. Algum idiota em nossa organização havia desabilitado a câmera dos tablets! E as crianças perceberam que ali deveria haver uma câmera, e hackearam o Android para habilitá-la."
(Antes que os haters do Android comecem, "hackear" aqui é utilizado mais em um sentido de alterar, modificar, e não de invadir)As crianças não tiveram um instrutor, não tiveram nenhuma educação formal ali. Todas as descobertas foram feitas na base da tentativa e erro, do raciocínio lógico. E cada novidade era compartilhada entre as crianças. Elas se ensinavam, sem a supervisão ou interferência de um adulto. E em cinco meses elas foram capazes de feitos incríveis.
Podemos observar que:
1) A capacidade intelectual inata do ser humano quando despertada e não limitada por filosofias, conceitos, correntes ideológicas ou coisas afins é um patrimonio universal. Independe da raça, do genero, da cultura, ou de recursos tecnológicos.
2) As tecnologias atuais migraram para conceitos em que os conceitos são mais importantes que as técnicas. O tecnicismo envolve manuais, códigos, uma burocracia intelectual que obriga a maioria a aprender linguagens, comandos e símbolos para serem reinterpretados. Existem coisas mais fáceis de fazer do que explicar. Muitas fórmulas abstratas para tratar coisas que na verdade são bem menos complicadas do que parecem.
O que ensinar? Como ensinar? Qual a abrangência do ensino básico?
3) Alguns conceitos de pedagogia necessitam certa revisão urgente. Temos hoje um questionamento sobre a qualidade de ensino nas escolas publicas, seja no conteúdo ministrado dos famosos planos pedagogicos, seja critica das formas e conteúdos que delimitam a capacidade ou a amplitude do ensino para as crianças, adolescentes e mesmo jovens de nosso pais. O que ensinar -quais as matérias que formam de modo integral o ser humano nos dias atuais capacitando-o para exercer sua liberdade criativa, sua própria dimensão humana, dando lugar a sua personalidade e pessoa, integrando-o na sociedade sem aprisioná-lo a mesma, capacitando-o para sobrevivencia e vida no mercado de trabalho e concedendo os valores que o ligam a humanidade, a sociedade?
4) O COMO diz respeito ao uso do MUNDO como uma ferramenta de ensino. O UNIVERSO e tudo que ele possui são parte das ferramentas de ensino que um professor tem a sua disposição. O ser humano aprende vendo, ouvindo, lendo, sentindo, percebendo, tocando, manuseando, acrescentando e firmando através de seus sentidos na memória as coisas novas que aprenderá. Não é um quadro negro que possui os recursos que proporcionam a qualidade de ensino necessária. É tudo que envolve o aluno a começar por ele mesmo. Uma nova pedagogia não limita-se a textos ou imagens. A livros didáticos. Avança no uso do universo, o som, da dança, do ritmo, da cor, da experiência. Muitos conteúdos ensinados se perdem pela simples ausência de ancoras que fixem na memória, seja através da prática, seja através de modelos que possam ser tocados e não só visualizados em duas dimensões.
5) A abrangência diz respeito as várias áreas do saber humano que deveriam estar a disposição dos alunos desde a tenra infância para capacitá-lo e contextualiza-lo dentro da futura dimensão de aprendizado. A capacidade humana pode ser instigada, o intelecto pode ser aguçado, pode ser estimulado de tal modo que no caminho até o mundo acadêmico os jovens se tornem pesquisadores ou cientistas anos antes de adquirirem qualquer especialização superior tal como um doutorado.
6) Todo pesquisador nasce da curiosidade e da necessidade intrínseca que o ser humano possui de desvendar o enigma do universo. Nós ansiamos desde pequenos aprender porque as coisas funcionam. Ou porque o mundo é do jeito que é.
7) Aprender a usar um tablet é só uma aventura tecnológica com limitadas linhas de atuação.
E se essas crianças fossem colocadas num laboratório e para elas disponibilizados equipamentos de alta tecnologia? Se mostradas imagens de tomografias, de ultrassonografias coloridas 3d, de mapas diversos? Em alguns anos seriam capazes de distinguir anomalias em raios-x ou ultrassonografia com um simples relance do olhar. Seriam capazes de diagnosticar com precisão inúmeras enfermidades com alguns poucos dados em suas mãos. A capacidade humana de reconhecimento de imagens e memória espacial é tão grande que deu origem a tratados que são utilizados desde a antigüidade por oradores gregos, e a posterior por oradores romanos, como o tratado Ad Herennium (A arte da memória de Fraces Yates). E se repensássemos numa pedagogia imagética, que se caracterizasse por fundamentar o ensino em práticas que gerem memórias permanentes? E se repensássemos a capacidade das crianças em compreender intuitivamente conceitos de hidrodinamica, eletricidade, transmissão de calor, mecânica, engrenagens, ferramentas, sistemas de polias, alavancas, aceleração, ótica, quimica, ou matemática aplicada?
8) Nossos limites tecnológicos dizem respeito até que ponto aprendemos a usar os recursos que o universo colocou a nossa disposição. Os grandes avanços científicos são fruto de descobertas, de aprender um novo modo de utilizar as energias que compõem o Cosmos. O universo possui infinitas respostas a nos dar. Então quanto mais perguntas tivermos e quanto mais cedo começarmos a questionar, melhor. Recursos didáticos em abundância colocados a disposição de crianças capacitam-nas as fazer perguntas cada vez mais pertinentes quanto aos limites que a tecnologia alcançou.
Mostre para uma criança um foguete que voa a 4000 km por hora e diga como ele faz para alcançar tal velocidade, quais os materiais que foram utilizados, qual o tipo de combustível. Ensine-a os princípios de física necessários. Espere essa criança crescer. Em alguns anos ela terá dobrado a velocidade original do velho foguete...
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