Por João Baptista Herkenhoff, livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo, juiz de Direito aposentado e escritor.
Pode a condição de mãe fundamentar um despacho de soltura de uma acusada?
Podem ter alma e paixão as sentenças que os juízes proferem?
Sentenças e despachos devem ser frios, eqüidistantes dos dramas tantas vezes presentes nas questões judiciais?
Essas perguntas, pelo que sinto, despertam a curiosidade de muitas pessoas, não apenas daquelas ligadas ao mundo do Direito.
A meu ver, o esquema legal da sentença não proíbe que ela tenha alma, que nela pulse a vida, e valores, e emoção, conforme o caso.
Em várias oportunidades, os jornais têm registrado sentenças marcadas pelo sentimento, pela empatia, sem desdouro para os magistrados que as subscrevem.
Na minha própria vida de juiz, senti muitas vezes que era preciso dar sangue e alma às sentenças. Para que Justiça se fizesse, não bastava a construção racional de um frio silogismo.
Este artigo contém, no seu bojo, o despacho que libertou Edna, a que ia ser Mãe.
Esta peça judicial resume minha concepção do Direito.
Como devolver a Edna, protagonista do caso, a liberdade, sem penetrar fundo na sua sensibilidade, na sua condição de pessoa humana? Foi o que tentei fazer.
Edna, uma pobre mulher, estava presa há 8 meses, prestes a dar à luz, porque fora apanhada portanto alguns gramas de maconha. Dei um despacho fulminante, carregado de emoção e da ira santa que a injustiça provoca.
Este despacho, quando a ele me refiro em palestras e cursos, encontra uma resposta tão forte junto aos ouvintes, que cedo à tentação de transcrevê-lo.
Talvez a transcrição ajude a responder as indagações que colocamos no início deste artigo.
Eis, pois, o despacho:
Onde estará Edna com sua filha?
Distante que esteja, eu a homenageio. Pela tarde em que a libertei, por essa simples tarde, valeu a pena ter sido juiz.
O despacho foi proferido em 09/08/1978, no Processo nº 3.775 da 1ª Vara Criminal de Vila Velha (ES).
Pode a condição de mãe fundamentar um despacho de soltura de uma acusada?
Podem ter alma e paixão as sentenças que os juízes proferem?
Sentenças e despachos devem ser frios, eqüidistantes dos dramas tantas vezes presentes nas questões judiciais?
Essas perguntas, pelo que sinto, despertam a curiosidade de muitas pessoas, não apenas daquelas ligadas ao mundo do Direito.
A meu ver, o esquema legal da sentença não proíbe que ela tenha alma, que nela pulse a vida, e valores, e emoção, conforme o caso.
Em várias oportunidades, os jornais têm registrado sentenças marcadas pelo sentimento, pela empatia, sem desdouro para os magistrados que as subscrevem.
Na minha própria vida de juiz, senti muitas vezes que era preciso dar sangue e alma às sentenças. Para que Justiça se fizesse, não bastava a construção racional de um frio silogismo.
Este artigo contém, no seu bojo, o despacho que libertou Edna, a que ia ser Mãe.
Esta peça judicial resume minha concepção do Direito.
Como devolver a Edna, protagonista do caso, a liberdade, sem penetrar fundo na sua sensibilidade, na sua condição de pessoa humana? Foi o que tentei fazer.
Edna, uma pobre mulher, estava presa há 8 meses, prestes a dar à luz, porque fora apanhada portanto alguns gramas de maconha. Dei um despacho fulminante, carregado de emoção e da ira santa que a injustiça provoca.
Este despacho, quando a ele me refiro em palestras e cursos, encontra uma resposta tão forte junto aos ouvintes, que cedo à tentação de transcrevê-lo.
Talvez a transcrição ajude a responder as indagações que colocamos no início deste artigo.
Eis, pois, o despacho:
“A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.Edna encontrou um companheiro e com ele constituiu família. Mudou inteiramente o rumo de sua vida. A criança, se fosse homem, teria o nome do juiz, conforme declarou na audiência. Mas nasceu-lhe uma menina que se chamou Elke, em homenagem a Elke Maravilha.
É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.
Expeça-se incontinenti o alvará de soltura”.
Onde estará Edna com sua filha?
Distante que esteja, eu a homenageio. Pela tarde em que a libertei, por essa simples tarde, valeu a pena ter sido juiz.
O despacho foi proferido em 09/08/1978, no Processo nº 3.775 da 1ª Vara Criminal de Vila Velha (ES).
Being mother can condition base a dispatch of acquittal of a defendant?
Can have soul and passion the sentences that the judges pronounce?
Sentences and dispatches have to be cold, equidistant of the dramas as many present times in the judicial questions?
These questions, for what I feel, despertam the curiosity of many people, not only of those on ones of the world of the Right.
In my opinion, the legal project of the sentence does not forbid that it has soul, that in it the life beats, and values, and emotion, as the case may be.
In some chances, the newspapers have registered marked sentences for the feeling, for the empathy, without tarnishing for the magistrates who subscribe them.
In the my proper life of judge, I felt many times that were necessary to give to blood and soul to the sentences. So that Justice became, the rational construction of a cold silogism was not enough. This article contains, in its bulge, the dispatch that freed Edna, the one that went to be Mother.
This judicial part summarizes my conception of the Right.
How to return the Edna, protagonist of the case, the freedom, without penetrating brands in its sensitivity, its condition of human person? It was what I tried to make. Edna, a poor woman, was imprisoned for 8 months, prestes to give to light, because was porting some gram of marijuana.
I gave a fulminant dispatch loaded of emotion and of holy wrath that the injustice provokes. This dispatch, when it mentions in lectures and courses, finds a so strong answer next to the listeners, that I to transcribe.
Perhaps the transcription helps to answer the investigations that we place at the beginning of this article.
Here it is, therefore, the dispatch:
“The defendant of multiplied forms is kept out of society: for to be woman, in a sexist society; for to be poor, whose latifundium is the seven palmos of land of immortal verses of the poet; for to be prostitute, disrespected for the men but loved by a Nazareno that certain time passed for this world; for not to have health; for to be pregnant, consecrated for the embryo who has inside of itself, woman ahead of which this Judge would have to kneel himself, in a homage to the maternity, however that, in our social structure, instead of being receiving well-taken care of prenatal, she waits for the son in the chain.
The one is a double freedom that I grant in this dispatch: freedom for Edna and freedom for the son of Edna who, if of the womb of the mother he will be able to hear the sound of the human word, feels the heat and the love of the word that I direct to it,
so that can come to this world so unfair with forces to fight, to suffer and to survive.
When as much people run away from the maternity; when thousands Brazilians, exactly young e without discernment, are sterilized; when if it must affirm to the World that the beings have right to the life, that is necessary to distribute better the goods of the Land and not to reduce the messmates; when, due to comfort or even though for idle reasons, women deprive themselves to generate.
Edna honor this Forum today, with the embryo who brings inside of itself.
This Judge need deny its creed all, would tear all its beginnings, would cheat the memory of its Mother, allowed himself that Edna left of this Forum under arrest.
Skirt free, skirt blessed for God, skirt with its son, brings its son to the light, because each cry of a child who is born is the hope of a new world, more brotherly, purer, some Christian day.
Incontinenti is forwarded the acquittal license”.
Edna found a companion and with it constituted family. It entirely changed the route of its life. The child, if he was man, would have the name of the judge, as she declared in the audience. But born a girl who called Elke, in homage was born to it Elke Maravilha. Where she will be Edna with its daughter?
Far that is, I Homage it.
Remembering of the afternoon where freed her.
By this simple afternoon
would be worthwhile to have been a judge.
The dispatch was pronounced in 09/08/1978, in the Process nº 3,775 of 1ª Criminal Pole of Vila Velha
Can have soul and passion the sentences that the judges pronounce?
Sentences and dispatches have to be cold, equidistant of the dramas as many present times in the judicial questions?
These questions, for what I feel, despertam the curiosity of many people, not only of those on ones of the world of the Right.
In my opinion, the legal project of the sentence does not forbid that it has soul, that in it the life beats, and values, and emotion, as the case may be.
In some chances, the newspapers have registered marked sentences for the feeling, for the empathy, without tarnishing for the magistrates who subscribe them.
In the my proper life of judge, I felt many times that were necessary to give to blood and soul to the sentences. So that Justice became, the rational construction of a cold silogism was not enough. This article contains, in its bulge, the dispatch that freed Edna, the one that went to be Mother.
This judicial part summarizes my conception of the Right.
How to return the Edna, protagonist of the case, the freedom, without penetrating brands in its sensitivity, its condition of human person? It was what I tried to make. Edna, a poor woman, was imprisoned for 8 months, prestes to give to light, because was porting some gram of marijuana.
I gave a fulminant dispatch loaded of emotion and of holy wrath that the injustice provokes. This dispatch, when it mentions in lectures and courses, finds a so strong answer next to the listeners, that I to transcribe.
Perhaps the transcription helps to answer the investigations that we place at the beginning of this article.
Here it is, therefore, the dispatch:
“The defendant of multiplied forms is kept out of society: for to be woman, in a sexist society; for to be poor, whose latifundium is the seven palmos of land of immortal verses of the poet; for to be prostitute, disrespected for the men but loved by a Nazareno that certain time passed for this world; for not to have health; for to be pregnant, consecrated for the embryo who has inside of itself, woman ahead of which this Judge would have to kneel himself, in a homage to the maternity, however that, in our social structure, instead of being receiving well-taken care of prenatal, she waits for the son in the chain.
The one is a double freedom that I grant in this dispatch: freedom for Edna and freedom for the son of Edna who, if of the womb of the mother he will be able to hear the sound of the human word, feels the heat and the love of the word that I direct to it,
so that can come to this world so unfair with forces to fight, to suffer and to survive.
When as much people run away from the maternity; when thousands Brazilians, exactly young e without discernment, are sterilized; when if it must affirm to the World that the beings have right to the life, that is necessary to distribute better the goods of the Land and not to reduce the messmates; when, due to comfort or even though for idle reasons, women deprive themselves to generate.
Edna honor this Forum today, with the embryo who brings inside of itself.
This Judge need deny its creed all, would tear all its beginnings, would cheat the memory of its Mother, allowed himself that Edna left of this Forum under arrest.
Skirt free, skirt blessed for God, skirt with its son, brings its son to the light, because each cry of a child who is born is the hope of a new world, more brotherly, purer, some Christian day.
Incontinenti is forwarded the acquittal license”.
Edna found a companion and with it constituted family. It entirely changed the route of its life. The child, if he was man, would have the name of the judge, as she declared in the audience. But born a girl who called Elke, in homage was born to it Elke Maravilha. Where she will be Edna with its daughter?
Far that is, I Homage it.
Remembering of the afternoon where freed her.
By this simple afternoon
would be worthwhile to have been a judge.
The dispatch was pronounced in 09/08/1978, in the Process nº 3,775 of 1ª Criminal Pole of Vila Velha
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